fumantes em dias de chuva

I

sob a marquise da padaria Chave D'Ouro 

aguardo a chegada do Camobi Fernando Ferrari

não fecho meu guarda-chuva azul

pois mesmo baixo a marquise

cai água


através da máscara apertada que uso

sinto o cheiro ranzinza do tabaco

namorando o ar denso, úmido

a moça ao meu lado mexe no celular

e fuma distraída

constituindo seu estar no mundo

esse

que se infiltra no meu


o momento convida-me a pensar

logo, a escrever


imersa em devaneios malcheirosos me encontro

quando de repente um sujeito de vestes militarizadas

se dirige a mim:

indaga se tenho isqueiro


não há tempo nem contexto para explicar-lhe

o meu estar no mundo com relação a fumaça

respondo assinalando: a moça ao lado tem


II

o sol ilumina os morros que admiro no cotidiano

mas o mercúrio está retrógrado

e meus olhos que sentem tendem a ver,

mesmo sem querer

a evidência dos esgotos a vomitar

bitucas de cigarros nas redondezas dos prédios


espero minha vez de subir no busão

digo "olá... tudo bem? tudo bem comigo..."

ao motorista que de meu rosto já tem lembrança


uma moça fala em alto e bom som

sobre a falta de filas em Santa Maria

em oposição a grande Porto Alegre

ouço com minhas impressões andarilhas

a aversão as características de um novo território


o momento convida-me a pensar

logo, a escrever


há dias de filas em L, dias de filas em funil

e ainda filas em dispersão:

cada qual sabe sua hora de subir

mas... 

existe uma fila que prevalece

a dos jovens que não olham para as pessoas

ao seu redor

e na frente dos mais antigos, 

sempre passam

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